Wednesday, May 27, 2009

P.S.

Em geral, as miúdas optam por fazer o estilo difícil, mesmo que por pouco tempo e sem muita vontade. É de praxe, e ninguém leva isso a sério. Há que respeitar o recato e ir até onde se pode, sem nos chatearmos com a hipocrisia; justifica-se pela necessidade delas de não parecer fáceis demais. Aquele atrevimento de Delfina, feito com tanta naturalidade, mostrou uma mulher doutro tipo. Ou que conhece bem a actuação das putas, ou que faz o que lhe apetece e se está nas tintas para o que possa parecer. Uma pessoa segura de si, desinibida, verdadeira. Só me deu adrenalina, e nenhum trauma. Uma puta e uma mulher apaixonada! Não será esse o sonho mais excitante? Amar e ser amado por uma mulher sem inibições?
Todos os homens sonham com isso, e muito poucos se atrevem.
Ou não têm estômago, ou são uns hipócritas.
Quanto a mim, pensava que estava interessado num relacionamento normal. Mas o que é um relacionamento normal? É quando a mulher é 'normal', como as outras? Que interesse é que isso pode ter?
Tenho a certeza de que a Delfina é minha desde aquele primeiro momento. Pode não ter sido antes, pode não vir a ser depois.
Mas, enquanto for, é uma pertença absoluta.
O melhor é voltar.


Delfina sabe fazer bem e não mede o que diz.
Mas di-lo com uma inocência desarmante.
Não tem inibições, mas junta à putaria o amor, sincero e verdadeiro - o que lhe confere um poder quase absoluto sobre mim, que aprecio uma e venero o outro, ensandecido de tesão e paixão.
Nunca, em toda a minha vida, poderia sonhar que um tal momento existisse, estivesse ao alcance da experiência cognitiva. Ao descobrir esta dimensão, ao vivê-la na carne e no ego, percebo que o objectivo da vida é viver absolutamente. Delfina dá-me o prazer e mostra-me o amor.
Talvez devesse sentir ciúmes... Mas não me sinto enganado, nem despossuído. Não há espaço para mais nenhum sentimento, quando o amor domina todos eles. O que vejo é que ela partilha as suas maiores intimidades comigo. Dá-me tudo o que tem na cabeça, ao mesmo tempo que dá todo o corpo. As pessoas pensam muita coisas que não dizem: mas ela não, quer dar-se inteiramente, em todos os momentos que estamos juntos.
Depois de ter uma mulher como Delfina, não há nenhuma que nos engane.


Quando se caça em todos os territórios, encontram-se paisagens desconhecidas e animais raros.


As mulheres que gostam de sexo são mais complexas.
As que não gostam fazem-no por dever, ou conveniência, e às vezes até se esforçam por tirar o melhor partido da situação; são meigas e cheias de boa vontade, mas limitam-se a reagir aos estímulos que recebem e a fazer o que acham que agrada. São também constantes nos afecto e lineares no percurso do relacionamento.
Mas outras, as que gostam, é outra conversa. O modo como multiplicam o prazer que recebem e a intensidade com que vivem e se envolvem, compensam largamente as chatices e o inevitável abandono que nos espera. A satisfação nunca satisfeita, que faz delas tão preenchedoras, é o reflexo da insatisfação da vida.
Pararam por acaso ao nosso lado, e aqui ficam enquanto esperam encontrar algo, nem elas sabem bem o quê; assim que descobrem tudo o que temos para a troca seguem em frente, à procura de outras experiências. Nem olham para trás, deixando-nos como se fôssemos um objecto gasto, sem utilidade.
Isto um dia vai acabar, e vai acabar mal para mim. Mas seria uma estupidez recusar o presente e pensar no futuro. Enquanto durar, é uma maravilha.


Arreitada donzela em fofo leito
deixando erguer a virginal camisa,
sobre as roliças coxas se divisa
entre as sombras subtis pachocho estreito.

De louro pêlo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branda crica nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito.

A voraz porra, as guelras encrespando,
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrando.

Como é inda boçal, perde os sentidos;
Porém vai com tal ânsia trabalhando,
Que os homens é que vêm a ser fodidos.

(Bocage)


Tem vergonha de abrir a boca, esta mulher que tão bem a sabe usar. Atira-se para a frente com ousadia, sem nada que a detenha, mas detém-se na barreira das palavras.
É assim, a maravilha das coisas.


Tempos perdidos - melhor dito, encontrados - a vê-la, a tocar-lhe, a contornar topograficamente todas as lisuras, pregas e obras de arte, o vibrar dos cílios e dos cabelos, o veludo da penugem, a seda do interior das coxas e o halo da pele.
Queria conhece-la pelo verso e pelo reverso, no tocável e no intangível.
Penetrá-la em baixo, em cima e atrás, e onde não há penetração possível - até chegar ao âmago, ao coração e ao cérebro, a todas as vísceras. Nadar nas secreções, sorver os fluidos, até a minha pele ser a pele dela, o meu coração bater com o dela, eu ser ela.

É assim o amor, um desejo insano, nojento e sublime de fusão total, identificação absoluta.

(José Couto Nogueira)

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