Friday, October 10, 2008

Nin, de Anaïs



Perguntei a Eduardo:
- Será este desejo de orgias, uma daquelas experiências que se tem de viver? E uma vez vivida, podemos ultrapassa-la, sem regressarmos aos mesmos desejos?
- Não - respondeu ele - A vida dos instintos é composta de camadas. A primeira camada conduz à segunda, a segunda à terceira, e assim por diante. Por fim, conduz a prazeres anormais.


O amor é o nosso ego.


A raiva envenena-me. Eu amo, eu amo, eu amo.


A verdade é que esta é a única maneira de que posso viver: em duas direcções. preciso de duas vidas. Eu sou dois seres. Quando volto para Hugo ao entardecer, para a paz e calor de casa, volto com uma profunda satisfação, como se esta fosse a única condição para mim. Trago para casa, para Hugo, uma mulher inteira, liberta de todos os "possuídos" ardores, curada do veneno da inquietação e curiosidade que costumava ameaçar o nosso casamento, curada através da acção. O nosso amor vive, porque eu vivo. Eu sustento-o e alimento-o. Sou-lhe leal, à minha maneira, que não pode ser a maneira dele. Se alguma vez ele ler estas linhas, tem de acreditar em mim. Estou a escrever calmamente, com lucidez, enquanto espero que ele venha para casa, como se espera pelo amante eleito, o amante eterno.


As melhores mentiras são as meias verdades. 
Eu conto-lhe meias verdades.


Sagrada plenitude. Saio para a rua atordoada na noite doce de Primavera e penso, agora não me importaria de morrer.


Sim, Anaïs, estava a pensar em como podia trair-te, mas não consigo. Quero-te. Quero despir-te, vulgarizar-te um bocadinho - ah, não sei o que estou a dizer. Estou um bocado bêbado porque não estás aqui. Gostava de poder estalar os dedos e voilà Anaïs! Quero ser o teu dono, usar-te, quero foder-te, quero ensinar-te coisas. Não, não te aprecio - Deus me perdoe! Se calhar até quero humilhar-te um pouco - porquê, porquê? Por que é que não me ponho de joelhos e apenas te venero? Não posso, amo-te divertidamente. Gostas disso? E querida Anaïs, sou tantas coisas. Só vês as coisas boas agora - ou pelo menos levas-me a pensar isso. Quero-te por um dia inteiro pelo menos. Quero ir a sítios contigo - possuir-te. Tu não sabes como sou insaciável. Ou covarde. E tão egoísta!
Tenho sido bem comportado contigo. Mas aviso-te, não sou nenhum santo. Penso principalmente que estou um bocado bêbado. Amo-te. Vou agora para a cama - é tão doloroso ficar acordado. Sou insaciável. Hei-de pedir-te que faças o impossível. O que é, não sei. Tu me dirás provavelmente. Tu és mais rápida do que eu. Amo o teu sexo, Anaïs - ele põe-me doido. E a maneira como dizes o meu nome! Meu Deus, é irreal. Escuta, estou muito bêbado. Estou magoado por estar aqui sozinho. Preciso de ti. Posso dizer-te tudo? Posso, não posso? Vem depressa então e enrosca-te a mim. Faz amor comigo. Enrola as tuas pernas à minha volta. Aquece-me.


Henry e eu estamos à espera do comboio numa plataforma alta. A chuva lavou as árvores. A terra liberta essências como uma mulher que o homem arou e semeou. Os nossos corpos aproximam-se.


A verdade, Anaïs, é que eu considero a bondade como um dado adquirido. Espero que todos sejam bons. É o mal que me fascina.


Hugo regressa, e a mim parece-me um filho pequeno. Sinto-me velha, gasta mas terna e feliz. Estou a descansar na cama de carne de uma enorme fadiga. Tudo o que trago de Henry é imenso.
Se adormeço, é porque estou sobrecarregada. Adormeço porque uma hora com Henry contém cinco anos da minha vida, e uma frase, uma carícia responde às expectativas de cem noites. Quando o ouço rir, digo:
- Ouvi Rabelais. - E engulo o seu riso com o pão e o vinho. Em vez de praguejar, ele está a germinar, cobrindo todos os espaços que perdeu nas suas caminhadas com June. Ele está a descansar do tormento, da virulência, do drama, da loucura. E diz num tom que eu nunca antes ouvi dele, como que para ficar gravado:
- Amo-te.
Adormeço nos seus braços, e esquecemo-nos de acabar a segunda fusão de nós mesmos. Ele adormece com os seus dedos mergulhados no mel. Para adormecer desta maneira eu devo ter encontrado o fim da dor.
Percorro as ruas com um passo firme. Só há duas mulheres no mundo: June e eu.


Eu dou-lhe uma sensação de absoluta intimidade, como se fosse sua esposa.


- Não quero que June venha torturar-me e magoar-te, Anaïs. Amo-te. Não quero perder-te. Mal saíste no outro dia comecei a sentir a tua falta. "Sentir a falta" não é a expressão certa; a ansiar por ti. Quero estar casado contigo. Tu és preciosa, rara. Vejo-te por inteiro agora. Vejo o rosto da criança, a dançarina, a mulher sensual. Tu fizeste-me feliz. Terrivelmente feliz.
Vimo-nos juntos com desespero e delírio. Estou num tal estado de êxtase que choro. Quero ser soldada a ele.


Quero estar onde quer que tu estejas. Deitada ao teu lado mesmo se estás a dormir. Henry, beija as minhas pestanas, põe os teus dedos nas minhas pálpebras. Morde a minha orelha. Empurra o meu cabelo para trás. Aprendi a desabotoar-te com tanta rapidez. Todo, na minha boca, chupando. Os teus dedos. O ardor. O delírio. Os nossos gritos de satisfação. Um para cada impacto do teu corpo contra o meu. Cada golpe uma pontada de prazer. Penetrando em espiral. O centro atingido. O ventre chupa, para trás e para a frente, aberto, fechado. Os lábios estalando, lábios de serpente estalando. Ah, a ruptura - uma célula de sangue explodindo de prazer. Dissolução.


Gostaria de cobrir as últimas páginas com os prazeres de ontem. Carradas de beijos de Henry. As investidas da sua carne dentro da minha, enquanto eu arqueava o corpo para melhor se colar ao dele. Se tivesse de escolher hoje entre June e eu, diz-me ele, desistira de June. Conseguia imaginar-nos casados e gozando a vida, juntos.
- Não - digo eu, em parte a brincar, em parte a sério. - June é única. Estou a tornar-te maior e mais forte para June. Uma meia verdade. Não há escolha.
- És demasiado modesta, Anaïs. Tu ainda não percebeste o que me deste. June é uma mulher que pode ser apagada por outra mulher. O que June me dá eu posso esquecer com outras mulheres. Mas tu és uma coisa à parte. Podia ter mil mulheres depois de ti e elas não podiam apagar-te.
Eu ouço-o, está fascinado, e por isso exagera, mas é tão bom. Sim, eu sei, por um momento, da raridade de June e da minha. A balança pende para o meu lado por enquanto. Olho para a minha própria imagem nos olhos de Henry, e o que é que vejo? A menina dos diários, contando histórias aos irmãos, chorando muito sem razão, escrevendo poesia - a mulher com que se pode falar.


Só tenho três desejos agora, comer, dormir, e foder. Os cabarets excitam-me. Apetece-me ouvir música rouca, ver caras, roçar-me em corpos, beber um ardente Benedictine. Mulheres belas e homens atraentes despertam ardentes desejos em mim. Quero dançar. Quero drogas. Quero conhecer pessoas perversas, ser íntima delas. Nunca olho para caras ingénuas. Quero morder a vida e ser despedaçada por ela. Henry não me dá tudo isto. Eu despertei o seu amor. Que se lixe o seu amor. Ele sabe foder-me como mais ninguém, mas quero mais do que isso. Vou para o Inferno, para o Inferno, para o Inferno. Selvagem, selvagem, selvagem.


- Anaïs - diz Henry - , tu tens o rabo mais bonito.


Na manhã seguinte recebo uma carta enorme dele. Só o facto de a tocar já me afecta. "Quando voltares vou dar-te um banquete literário de sexo - ou seja foder e conversar e conversar e foder. Anaïs, eu vou abrir as tuas entranhas. Deus me perdoe se esta carta alguma vez for aberta por engano. Não consigo evitá-lo. Quero-te. Amo-te. Tu és comida e bebida para mim, és todo o raio da máquina da vida, deitar-me em cima de ti é uma coisa, mas aproximar-me de ti é outra. Sinto-me unido a ti, um só contigo, pertences-me quer isso seja sabido ou não. Cada dia que espero agora é tortura. Estou a contá-los lentamente, dolorosamente. Mas vem o mais depressa que possas. Preciso de ti. Meu Deus, quero ver-te em Louveciennes, ver-te naquela luz dourada da janela, com o teu vestido verde do Nilo e o teu rosto pálido, uma palidez gelada como na noite do recital. Amo-te como tu és. Amo as tuas ancas, a tua palidez dourada, a curva das tuas nádegas, o calor dentro de ti, o sumo que sai de ti. Anaïs, amo-te tanto, tanto! Estou a ficar sem palavras. Estou aqui sentado a escrever-te com uma tremenda erecção. Posso sentir a tua boca macia fechando-se sobre mim, a tua perna apertando-me com força, voltar a ver-te aqui na cozinha levantando o vestido e sentando-te em cima de mim e a cadeira a andar pelo chão da cozinha, fazendo tamp, tamp."


Hugo está a ler. Inclino-me sobre ele e derramo amor, um amor que é fortemente penitente. Hugo ofega.


Eu odiava-o porque o amava como nunca amara ninguém.


- O que um homem quer (o que um homem quer!) é acreditar que uma mulher possa amá-lo tanto que nenhum outro homem possa interessar-lhe. Eu sei que isso é impossível. Sei que cada alegria tem a sua própria tragédia.
(...)
- Ouve - disse eu desastradamente -, o que o homem quer é aquilo que eu te tenho dado até hoje, com um absolutismo que tu nunca poderias imaginar.

(Anaïs Nin)

4 comments:

gui castro felga said...

nopes, nao recebi nada! so neste ultimo! manda outra vez!

gui castro felga said...

oh va la! manda outra vez!! :)

blá blá bá said...

miss red said...
...e pronto, tou a ler toda contente e vejo caras conhecidas. qual das meninas é a responsável pelo blablabla?


5:08 PM, October 27, 2008

blá blá bá said...
Olaré!
Desculpa, mas só agora reparei no teu comment.
Sou a extrema-direita. (!)
Sou a Bárbara. :)

Ana Ribeiro said...

"Eu odiava-o porque o amava como nunca amara ninguém." - isto acontece tantas vezes...

É bom saber que ainda escreves aqui...
Bjocas