"Só espero que continues a ser puta quando te ligar daqui a dez minutos..."
O sotaque nortenho, amansado pelos anos de faculdade em Lisboa, mas ainda agressivo na essência, conferia àquela frase o condimento necessário para que o momento passasse de inusitado a inesquecível.
A voz, rouca, de Bárbara, ficou a tilintar na cabeça de Marcos durante os minutos de espera que teimavam em não correr. Assim como uma série de questões à volta da mulher em si. Seria a voz dela naturalmente rouca? Provavelmente a bebida - como ela própria tinha assumido, bebera bastante - teria dado uma ajuda no endurecimento da fala assim como na desfaçatez das palavras. Bárbara. Seria o seu próprio nome, o nome próprio, numa fortuita coincidência, uma declaração de intenções? A ser esse o caso, estava decididamente ansioso pelas suas invasões. "Só espero que continues a ser puta..." Apesar ou além do sorriso provocador, os olhos amendoados não lhe deixaram qualquer réstia de dúvida - ela falava a sério.
Bárbara, Bárbara, Barbarella. Sexy, armada e perigosa. A conversa começara na noite do Porto sobre a noite do Porto, demorara-se um pouco na arte da representação, acabando em Direito Internacional, que ela praticava. Pelo meio, bateram-se numa série de clivagens forçadas. Perderam-se em questões retóricas, semânticas e jogos de palavras: disparates díspares disparados à toa - e nesses momentos as palavras serviam apenas para camuflar um intenso estudo recíproco dos intervinientes no diálogo. Olhos nos olhos. Olhos no sexo. Sexo nos olhos. Bárbara, a Estratega. Trocara-lhe as voltas em menos de nada quando lhe pediu o número de telefone. Com o automatismo de uma actriz que pega numa deixa ensaiada retorquiu de imediato: "Se me deres o teu, terás o meu daqui a uns minutos, quando te ligar. Prefiro assim". Numa questão de segundos ela passara a comandar as operações. Ele insistiu que deveria ser ela a dar-lhe o número, até porque ele pedira primeiro. "Pedi primeiro? Mas serás tu uma criança?!" Ficaram nisto até Marcos perceber que aquilo era o mesmo que regatear com um negociante marroquino - ela simplesmente deixou-o alinhar até o ter onde o queria. Nessa altura, parou. Não brincou mais. E finalmente ele deu-lhe o número, deixando escapar um desabafo entre dentes: "porra. sou mesmo uma puta, quando bebo... aponta aí". Mal lhe saíram as palavras da boca, Marcos sentiu-se algo embaraçado, com medo de ter roçado o brejeiro. Levantou os olhos do chão apenas para constatar que Bárbara, a Guerreira, se limitou a sorrir, cúmplice com o à vontade da sua presa.
E foi aí que ela soltou a frase que lhe marcaria a memória enquanto existisse: "Só espero que continues a ser puta quando te ligar daqui a dez minutos". Olhos nos olhos. Sexo nos olhos. Pensou em Iggy Pop: "Now I Wanna Be Your Dog". Estavam na porta das traseiras da discoteca, aquela que só quem podia e certamente queria usava, do lado de fora: tinham saído um pouco porque não se conseguiam ouvir lá dentro, e , de qualquer forma, Marcos tinha pedido para lhe arranjarem um táxi, segundos antes de os seus olhos se encontrarem pela primeira vez. Estas coisas aconteciam sempre quando menos se esperava. No final de uma noite recheada de champanhe, morangos e miúdas giríssimas que perdiam toda a piada assim que diziam coisas como "vou para a pista bater chinelo, queres vir?", já a caminho da saída, aparecia-lhe uma ninfa a fazer pouco do seu recém adquirido estatuto de não-tão-jovem-actor-revelação. Regra geral, somava e seguia. Mas houve qualquer coisa nela, não, não qualquer coisa apenas, houve tudo, isso sim, um tudo e todo específico que o deteve. "Fico à espera, disse, ao entrar no táxi. Pediu para seguir para o hotel na Avenida da Boavista, sugerindo ao taxista que não havia pressas: precisava de processar uma série de elementos. Estaria ela na discoteca com um interesse amoroso, um possível namorado, ou apenas com amigas de quem se precisava despedir? Não percebia o porquê de não ter entrado com ele no táxi. Se calhar tinha que levar alguém a casa. Acabara de dar o número a uma perfeita desconhecida e os tais dez minutos já tinham passado faziam outros dez.
Chegou ao hotel. Meteu a chave na porta do quarto e o telemóvel tocou, número visível mas desconhecido: a rouquidão sensual e dengosa soou do outro lado. "Onde estás? Na Boavista? Qual deles? Diz-me o número do quarto, cinco minutos tou aí." Bárbara, a Implacável. Marcos ligou as colunas do iPod e deixou Iggy cantar aquilo que lhe ía na alma: "so messed up / I want you here / in my room / I want you here / and now we're gonna be face-to-face / and I'll lay down in my favorite place / now I wanna be your dog...". Chamou para o serviço de quartos, pediu champagne e duas flutes. Sentindo-se uma verdadeira puta, feliz na sua pele, disse baixinho, olhando-se no espelho:
"Que as invasões comecem."
(Pacman)
1 comment:
Nunca duvidei do talento do Puto.
(nem do teu...Bárbara, Bárbara, meu amor, vem-me buscar - c/ sotaque brasileiro)
Tichau gaija.
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